Em entrevista ao g1, participante do reality fala de acusações contra Leandro Marçal e diz que não lhe foi dada a opção de faltar ao episódio de reencontro do reality. Procurados, Leandro e Netflix não se manifestaram. Ingrid Santa Rita, participante da quarta temporada de “Casamento às Cegas Brasil”, diz que demorou para se dar conta de que havia sido estuprada por Leandro Marçal, o homem com quem se casou no programa.
“Eu ficava me perguntando se estava maluca, se era coisa da minha cabeça”, conta, em entrevista ao g1.
A participante lembra que só se deu conta da violência quando, depois de se separar de Leandro, tentou seguir adiante e ter relação com uma outra pessoa. “Saí com um outro rapaz. Dentro do motel, comecei a ter crise de pânico.”
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Ingrid abriu um boletim de ocorrência contra Leandro na Delegacia de Defesa da Mulher de Osasco (SP) e solicitou uma medida protetiva contra ele, recurso que ainda não foi concedido, segundo ela.
Leandro é investigado por suposta prática de estupro de vulnerável, violência psicológica contra a mulher e violência doméstica. Procurado pelo g1 por meio de sua assessoria de imprensa, ele não retornou o contato.
O caso se tornou público nesta última quarta-feira (10). Em um episódio de reencontro dos participantes do reality, Ingrid revelou não estar mais casada com Leandro e, sem citar diretamente a acusação, deu a entender que ele a forçou a ter relações sexuais não consentidas.
No dia seguinte ao lançamento do episódio, ela publicou um vídeo no Instagram, confirmando que foi estuprada pelo ex-marido e detalhando as acusações.
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Na entrevista abaixo, Ingrid detalha as acusações e fala sobre a “sensação de luto” que viveu após se tornar consciente do abuso. Ela também afirma que, mesmo lidando com um trauma que era conhecido pela produção do programa, não teve a opção de não participar do episódio de reencontro do reality, no qual precisou reencontrar Leandro.
Questionada sobre a alegação da participante, a Netflix não retornou o contato até a publicação desta reportagem. Na quinta (11), a empresa havia divulgado um comunicado sobre a denúncia de estupro.
“A Netflix, a Endemol Shine Brasil e a equipe do Casamento à Cegas Brasil repudiam veementemente qualquer tipo de violência. A produção, em todas as suas etapas, é conduzida com constante apoio profissional aos participantes, e as denúncias apresentadas estão sendo apuradas pelos órgãos competentes.”
g1 – Como você está se sentindo após o caso se tornar público?
Ingrid Santa Rita – Até a quarta-feira [dia de divulgação do episódio de reencontro do “Casamento às Cegas”], eu vinha tendo uma espécie de vida paralela. Agora eu acho que estou me forçando a fazer as coisas rápido demais porque eu quero encerrar esse assunto, de alguma forma. As pessoas estão todas abismadas, assustadas, desacreditadas, mas eu já estou vivendo isso há muito tempo e só quero encerrar o assunto.
Eu estava acordando todos os dias com uma sensação de luto. Hoje [sexta], eu não acordei com essa sensação, mas achei que estaria melhor. Ainda não estou conseguindo encontrar a força que eu deveria ter.
g1 – O apoio que você tem recebido nas redes sociais tem feito diferença?
Ingrid Santa Rita – Tem sido importante porque eu ouvi muito que, se eu falasse, talvez isso repercutisse mal para mim. Ouvi isso de muitas pessoas e algumas continuam falando. Mas tem muitas mulheres e homens me enviando histórias parecidas com a minha. E, de alguma forma, a gente se reconhece na dor. E eu começo a entender que eu não estava maluca.
“Eu tenho prova, tenho mensagens, tenho áudios dele, mas mesmo assim, no decorrer de todo esses meses, eu ficava me perguntando se estava maluca, se era coisa da minha cabeça.”
Quando você vê outras pessoas contando a mesma coisa, você fala pra si mesma que foi isso mesmo que aconteceu.
g1 – Tem algo sobre a história que você ainda deseja contar, além do que já falou publicamente?
Ingrid Santa Rita – Tem coisas que são muito sórdidas, que a gente nem gosta de falar. Eu ficava com nojo de mim mesma. O que eu não falei é que comecei a me dar conta de que tinha sido abusada quando tentei ter relação sexual com outra pessoa.
“Saí com um outro rapaz. Dentro do motel, comecei a ter crise de pânico. Comecei a sentir nojo do meu corpo por estar sentindo tesão. Foi horrível. Pensava: será que nunca mais vou conseguir ter relação com ninguém?”
Ingrid Santa Rita, participante do “Casamento às Cegas Brasil”.
Reprodução/Netflix
Lá atrás, queria esquecer e sair, me divertir, fingir que nada estava acontecendo. Mas voltava para casa e só chorava. Chegou uma hora em que não queria mais falar com ninguém, porque não queria ficar falando disso pra minha mãe, minha irmã. Não fiz terapia nesse tempo. Não passei em psicólogo. Passei num psiquiatra nas últimas três semanas, porque ficou insustentável.
Eu sentia muito medo. Na delegacia, cheguei a perguntar para a delegada se existia a possibilidade de perder a guarda da minha filha. Até isso dá medo. Tem muita coisa que não falo por medo de ser mais invalidada. Não quero mais viver isso.
Fui para um reality em que todo mundo acha que é tudo encenado. Não é encenado. Tudo que eu vivi com o Leandro foi verdadeiro.
Ingrid e Leandro se casaram no reality show ‘Casamento às Cegas’
Reprodução/Netflix
g1 – Como tem sido o contato com a produção do “Casamento às Cegas” e a equipe envolvida no programa? Você tem recebido suporte?
Ingrid Santa Rita – Depois desse episódio [de reencontro], não. Ninguém… Eu converso com algumas pessoas, mas sem crachá. Não é um apoio da empresa, são pessoas físicas.
“No dia da gravação do episódio, saí muito abalada, caí no chão e tive outra crise de pânico muito forte.”
Fui amparada pela Camila, pelo Klebber [Camila Queiroz e Klebber Toledo são apresentadores do “Casamento às Cegas”], pelas meninas [demais participantes do programa] e o pessoal do casting, porque eles sabiam que eu não estava bem.
g1 – No vídeo com o relato do caso, você menciona que teve crises de pânico quando ficou sabendo a data do reencontro. Pensou em não participar? Teve essa opção?
Ingrid Santa Rita – Não tinha a opção… tem coisas que prefiro não falar. A gente tem que escolher quais brigas quer para a vida.
g1 – Quanto tempo se passou entre o fim das gravações do reality e o episódio de reencontro, em que você reviu o Leandro?
Ingrid Santa Rita – O confinamento para o reality foi dia 7 de setembro [de 2023]. O casamento foi dia 14 de novembro. Terminei com o Leandro na Quarta-Feira de Cinzas [14 de fevereiro de 2024]. Ele ainda ficou mais uns dias na minha casa, foi embora na segunda-feira seguinte. O episódio de reencontro foi gravado no dia 7 de julho.
A gente não tinha consciência de nenhuma data, de lançamento, de estreia do programa, de nada. Imaginávamos que a estreia seria em junho [os primeiros episódios da temporada foram ao ar no dia 19 de junho].
Leandro Marçal, participante do ‘Casamento às Cegas Brasil’
Reprodução/Netflix
No dia 14 de junho, tivemos uma reunião sobre a estreia. A dos meninos foi de manhã e, das meninas, à tarde. A essa altura, a produção e as meninas já sabiam [das acusações]. Depois, teve um barzinho com todo mundo e ele [Leandro] estava lá. Falaram que eu estava indo e que não queria vê-lo, mas ele quis ficar mesmo assim. Tentava forçar uma aproximação. Tiveram que fazê-lo ir embora.
g1 – O que você sentiu ao procurar a polícia?
Ingrid Santa Rita –
“Vi minha mãe ser agredida quando eu era criança. Meu pai a espancava e ela tem mais de dez boletins de ocorrência abertos contra ele. E minha mãe falava para mim: ‘Filha, é melhor você não abrir o B.O.’. Ela tem pânico de delegacia, não queria me ver em uma.”
Foi um dos dias mais difíceis da minha vida. Passei horas lá, a tarde inteira, revivendo tudo aquilo, mostrando mensagens e áudios e vendo e ouvindo tudo de novo. Fui enquadrada na [Lei] Maria da Penha. Isso doeu muito porque é a concretização de que eu realmente sofri abuso.
Fonte da Máteria: g1.globo.com