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Leila Pinheiro canta João Donato com correção e (algum) brilho em sisudo álbum com o pianista Ricardo Bacelar


Há fachos de luz em músicas menos conhecidas e em alguns arranjos do disco gravado com o toque de Jaques Morelenbaum em nove das 12 faixas. Leila Pinheiro se une ao pianista Ricardo Bacelar em álbum com músicas de João Donato (1934 – 1990)
Valdo Silva / Divulgação
Capa do álbum ‘Donato’, de Leila Pinheiro e Ricardo Bacelar com participação de Jaques Morelenbaum
Valdo Silva
♫ OPINIÃO SOBRE DISCO
Título: Donato
Artista: Leila Pinheiro e Ricardo Bacelar com participação de Jaques Morelenbaum
Cotação: ★ ★ ★
♪ Sabe aquele disco feito com correção, sem erros, mas também sem um brilho especial que o faça sobressair na multidão de lançamentos semanais? Donato, álbum que junta a cantora Leila Pinheiro com o pianista Ricardo Bacelar em torno do cancioneiro autoral de João Donato (17 de agosto de 1934 – 17 de julho de 2023), escapa por pouco de ser esse tipo de disco por conta de alguns fachos de luz na seleção do repertório, nos arranjos e no canto da artista. Há correção protocolar, mas também há algum brilho, sobretudo nas músicas menos batidas.
Também pianista, conhecedora das harmonias da MPB, Leila é cantora de técnica apurada que se afina com o toque do piano de Bacelar na abordagem de 13 músicas da obra de João Donato em 12 faixas. Na costura do disco, Brisa do mar (João Donato e Abel Silva, 1981) é soprada em medley com Surpresa (João Donato e Caetano Veloso, 1999).
Pianista, arranjador, compositor, acordeonista e cantor acreano, Donato transcendeu rótulos e movimentos na música brasileira com bossa desde sempre moderna, calcada na mistura singular dessa bossa brasileira com jazz e com gêneros musicais latinos como o bolero. O som de Donato é tão particular que constitui quase um subgênero herdado da bossa nova.
Donato – álbum gravado por Leila Pinheiro a convite de Ricardo Bacelar em outubro de 2023 no estúdio Jasmin, do pianista – chega ao mundo na sexta-feira, 27 de setembro, com requinte harmônico, mas transcorre sem a suave pegada donatiana, pista certeira dada já abertura do disco com o canto tenso de A rã (João Donato e Caetano Veloso, 1974).
Entre densos duetos de voz e piano em canções como Verbos do amor (João Donato e Abel Silva, 1982) e Cadê você (João Donato e Chico Buarque, 1987), o álbum Donato experimenta certa leveza no registro de Contas de vidro, parceria de Donato com João Gilberto (1931 – 2019) até então gravada como tema instrumental sem a letra de Lysias Ênio, cujos versos “O amor é fantasia – disse o mágico aprendiz / O riso do palhaço / O salto no vazio / É ver a vida por um fio” são cantados por Leila com Ricardo Bacelar (a artista também toca piano na faixa).
Só que essa leveza, tão essencial na arquitetura da música de Donato, é escassa no disco editado pelo selo fonográfico de Bacelar, Jasmin Music.
Importante para quebrar uma eventual linearidade no formato de voz e piano, a presença do violoncelista Jaques Morelenbaum, em nove das 12 faixas, faz diferença nas abordagens de Flor de maracujá (João Donato e Lysias Ênio, 1974) – um dos grandes momentos do disco pela imponência do arranjo – e Nua ideia (João Donato e Caetano Veloso, 1990).
Em contrapartida, a presença luxuosa do violoncelista não impede que Naquela estação (João Donato, Caetano Veloso e Ronaldo Bastos, 1990) fique parada no lugar em que se situa boa parte deste disco formal, sisudo.
A favor do álbum Donato, pesam as inclusões no repertório de três músicas ainda pouco conhecidas. Trata-se da já mencionada Contas de vidro (cuja letra poética casa bem com a melodia e merecia mesmo sair do ineditismo), de Açafrão (João Donato, Marlon Sette, 2021) – uma das melhores músicas do recente álbum que juntou Donato com Jards Macalé, Síntese do lance (2021), bem interpretada por Leila – e Já que você me deu motivo, parceria de João Donato com Ronaldo Bastos que permanecia sem registro fonográfico oficial.
Ode a Belém (PE), cidade natal da cantora paraense, Naturalmente (João Donato e Caetano Veloso, 1975) faz sentido na voz de Leila, mas a adesão vocal do cearense Ricardo Bacelar soa despropositada na faixa.
Enfim, entre correções e algum brilho, o álbum Donato reitera o apuro do canto de Leila Pinheiro.

Fonte da Máteria: g1.globo.com