Capitaneado por Elton Towersey e Otávio Müller, em atuações primorosas como Tom Jobim e Vinicius de Moraes, o elenco também destaca nomes como Analu Pimenta, Lucas da Purificação e Thainá Gallo. Elton Towersey (à direita) e Otávio Müller vivem Tom Jobim e Vinicius de Moraes no musical em cartaz no Rio de Janeiro
Reginaldo Teixeira / Divulgação
♫ OPINIÃO SOBRE MUSICAL DE TEATRO
Título: Tom Jobim musical
Texto: Nelson Motta e Pedro Brício
Direção: João Fonseca
Direção musical: Thiago Gimenes
Data e local: 25 de outubro de 2024 no Teatro Casa Grande (Rio de Janeiro, RJ)
Cotação: ★ ★ ★ ★
♪ Como expor a imensidão da vida e da obra de Antonio Carlos Jobim (25 de janeiro de 1927 – 8 de dezembro de 1994) em duas horas e meia de espetáculo?
Recém-estreado no Teatro Casa Grande, no Rio de Janeiro (RJ), cidade natal do maestro, Tom Jobim musical consegue retratar o percurso do gênio carioca em narrativa que vai dos 16 anos à morte ocorrida há 30 anos e apenas vislumbrada no texto de Nelson Motta e Pedro Brício. Tanto que nem importa a ausência de menções a álbuns essenciais como Matita Perê (1973) e Urubu (1976).
Em essência, está tudo lá na cena armada sob direção de João Fonseca com trilha sonora calcada em um dos cancioneiros mais sublimes do mundo. A soberania da obra de Jobim dá o tom de musical alicerçado na força de elenco capitaneado por Elton Towersey e Otávio Müller.
Em trabalho primoroso, Towersey evoca Tom Jobim em todas as fases da vida do maestro e impressiona por parecer captar a alma do artista tanto na vida quanto no canto de músicas como Corcovado (Antonio Carlos Jobim, 1960).
Müller – que já impressionara como Vinicius de Moraes (19 de outubro de 1913 – 9 de julho de 1980) antes mesmo da estreia, quando foi divulgada foto do ator já caracterizado com precisão como o poeta e parceiro fundamental de Tom – também apresenta magnífico trabalho de ator, mesmo sem ter vocação para o canto. Com chave cômica que jamais cai na caricatura, Müller faz rir com a simples entonação de uma frase.
Otávio Müller está presente em cena quase tanto quanto Elton Towersey porque, onde havia Tom, havia Vinicius, mesmo quando a parceria dos compositores – iniciada em 1956 com a criação da trilha sonora do musical Orfeu da Conceição quando Tom ainda ralava como músico nas boates e como arranjador nas gravadoras – perdeu o impulso inicial dos anos 1950 e 1960.
Em que pese a maestria das atuações dos dois protagonistas, Tom Jobim musical também se alimenta do talento do vasto elenco coadjuvante que muitas vezes rouba a cena.
Lucas da Purificação vive momento apoteótico quando incorpora Jair Rodrigues (1939 – 2014) no canto enérgico de O morro não tem vez (Antonio Carlos Jobim e Vinicius de Moraes, 1963) em número que lembra a opressão do povo brasileiro pela ditadura de 1964.
Analu Pimenta domina o palco como Dolores Duran (1930 – 1959) e, sobretudo, como Elza Soares (1930 – 2022), personificada pela artista com toda a bossa negra no canto jazzístico de Só danço samba (Antonio Carlos Jobim e Vinicius de Moraes, 1962). Jon Black também seduz a plateia ao soltar o vozeirão para cantar Manhã de Carnaval (Luiz Bonfá e Antonio Maria, 1959) na pele do cantor Agostinho dos Santos (1932 – 1973).
Na interpretação de Elis Regina (1945 – 1982), Thainá Gallo personifica uma cantora apimentada nas cenas que reproduzem o embate travado há 50 anos entre Jobim e Cesar Camargo Mariano (Pablo Áscoli) em estúdio de Los Angeles (EUA) durante a gravação do álbum Elis & Tom (1974). Ao lado de Elton Towersey, Thainá Gallo brilha na reconstituição fiel do dueto de Elis e Tom na gravação do samba Águas de março (Antonio Carlos Jobim, 1972) para o disco cinquentenário. Já Gabriel Vicente é um Orfeu luminoso em cena valorizada pelos figurinos exuberantes de Theodoro Cochrane.
Como já ressaltado, o texto de Nelson Motta e Pedro Brício foca na arte maior de Tom. Detalhes da vida pessoal do artista – como o alcoolismo que se tornou um dos vilões do casamento de Jobim com Thereza Otero Hermanny, carioca nascida em 1930 e vivida por Bela Quadros, certeira na pele da primeira esposa do compositor – são apenas mencionados em cena em tom fugaz.
A propósito, o fim do casamento de Tom com Thereza em 1978 gera medley dramático alavancado pelo Soneto de separação (Antonio Carlos Jobim e Vinicius de Moraes, 1959).
No samba Chega de saudade (Antonio Carlos Jobim e Vinicius de Moraes, 1956), estopim da bossa nova criada por João Gilberto (1931 – 2019), personagem confiado ao ator Jean Amorim, Otávio Müller incentiva na pele de Vinicius o coro do público em número que gera afinada comunhão entre artistas e plateia.
Já o canto poliglota do samba Garota de Ipanema (Antonio Carlos Jobim e Vinicius de Moraes, 1962) – em sequência de números de tintas caricaturais – exemplifica o alcance da música de Tom e Vinicius, abarcando inclusive a recente apropriação do samba por Anitta.
Enfim, há muitos méritos em Tom Jobim musical que redimem o espetáculo de eventuais caracterizações menos fieis aos personagens vistos em cena e sobretudo de omitir o nome de Chico Buarque – o parceiro mais importante de Tom depois de Vinicius e de Newton Mendonça (1927 – 1960), este interpretado por Will Anderson e justamente louvado em cena como o coautor de standards como Desafinado (1959) e Samba de uma nota só (1960).
Acima de tudo e de todos, paira a grandeza da música soberana de Antonio Carlos Jobim, cantada e arranjada com reverência sob a batuta do diretor musical Thiago Gimenes.
Tom maior da produção, essa música imensa, atemporal e para sempre moderna enleva e deleita o espectador do grande espetáculo realizado pelaBonus Track e Barbaro! Produções através de acordo com a Jobim Music, empresa detentora dos direitos deste cancioneiro que, a partir de 1962, pôs o Brasil no mapa-múndi da música, fazendo de Tom o maestro desse país de imensas riquezas sonoras.
Elton Towersey e Otávio Müller em cena de ‘Tom Jobim musical’, espetáculo em cartaz no Teatro Casa Grande, no Rio de Janeiro (RJ)
Divulgação / Facebook Tom Jobim Musical
Fonte da Máteria: g1.globo.com