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Influenciadores mirins chegaram a receber bebida alcoólica como brinde de empresas de marketing de afiliados


Reportagem do g1 mostrou menores de idade ostentando ganhos altos nas redes ao promover cursos de afiliados. No Instagram e no TikTok, eles dizem que estão conquistando milhares de reais por mês ‘trabalhando pouco por dia’. Menores desdenham da educação e dizem ganhar muito dinheiro vendendo cursos
Uma reportagem do g1, publicada neste sábado (23), revelou como influenciadores mirins tentam atrair crianças e adolescentes para um suposto trabalho rentável: a participação na venda de cursos em plataformas de marketing de afiliados, como Kiwify e Cakto.
Nas redes sociais, esses menores afirmam faturar até R$ 100 mil com esse tipo de negócio. Ao alcançarem esse valor em vendas, eles recebem uma placa comemorativa e uma cesta de comida que inclui espumante, bebida alcoólica cujo consumo é proibido para menores de 18 anos no Brasil.
O g1 encontrou ao menos 33 perfis com esse tipo de conteúdo no Instagram e no TikTok e monitorou essas contas por três meses. O g1 também tentou conversar com os pais desses menores, mas não obteve retorno e alguns não quiseram falar.
O g1 encontrou postagens no Instagram de crianças exibindo espumante. Em um dos posts, uma menina com 457 mil seguidores mostra a cesta enviada pela Kiwify (veja na imagem abaixo).
A Cakto também costuma enviar brindes e mandou um espumante para essa mesma criança.
Criança que recebeu um kit por ter faturado R$ 100 mil na Kiwify.
Reprodução/Instagram
Na publicação da menina, Caio Martins, CEO da Cakto, chegou a comentar: “Só não pode beber esse Chandon kkkkkkk” (veja na imagem abaixo).
Além dela, o g1 localizou o perfil de um outro adolescente que também exibe a cesta com a bebida, novamente enviada pela Kiwify.
Cakto também enviou espumante para a mesma menina que recebeu da Kiwify.
Reprodução/Instagram
Procurada para comentar sobre o envio do brinde, a Cakto disse que “todos os cadastros na plataforma são realizados exclusivamente por maiores de idade e vinculados a um responsável legal”. A empresa não comentou sobre o posicionamento do CEO.
A Kiwify, que negou ter enviado esses prêmios diretamente para menores, disse que vai implementar “uma revisão operacional para evitar a recorrência de situações semelhantes a essa” (leia o posiconamento ao final da reportagem).
“A premiação é padrão e concedida a todos os produtores que atingem o faturamento de R$ 100 mil, não havendo distinções ou privilégios para indivíduos específicos”, completou a empresa.
“Essas contas estão sendo preventivamente bloqueadas para maiores investigações devido ao potencial compartilhamento indevido de login e senha”, disse a Kiwify, sobre os perfis que exibiram bebidas entre os brindes recebidos.
Segundo a Kiwify, ambas as contas identificadas que receberam a bebida alcoólica pertencem a adultos.
Alguns influencers também filmaram sua presença em eventos de marketing digital da Kiwify (veja no vídeo na abertura da reportagem). Sem dar mais detalhes, a empresa disse ao g1 que “não realizou nenhum convite a eles”.
A Meta, dona do Instagram, afirmou que “não vai comentar o tema”. O TikTok respondeu após a publicação da matéria, informando que “derrubou os vídeos em agosto”.
Adolescente abre kit com espumando enviado pela empresa Kiwify
Reprodução/Instagram
Como os influencers atraem outras crianças
Apesar de serem desinibidas para falar sobre uma suposta vida de luxo, as crianças revelam poucas informações pessoais. Não falam as idades, nem a cidade ou estado onde vivem.
Os perfis costumam se seguir, o que indica que os envolvidos se conhecem, ao menos no ambiente virtual.
As informações disponíveis nas contas seguem a mesma tática dos vídeos: na bio, elas citam o suposto faturamento do influencer e incitam os seguidores a procurá-las se quiserem ter a mesma vida.
Nessas publicações, os menores costumam:
destacar que trabalham pouco tempo por dia e faturam alto;
relatar uma mudança de vida, dizendo que agora conseguem comprar celular caro, casa ou mesmo pagar o aluguel dos pais e tirar a família da pobreza;
não costumam mostrar esses bens materiais, apenas falam deles;
ironizam quem não está no esquema supostamente lucrativo;
citam o suposto faturamento alto no link da bio e exibem notas de dinheiro ou número de faturamento na tela dos apps da Kiwify e da Cakto.
Criança usa tom irônico nos conteúdos publicado nas redes sociais
Reprodução/Instagram
Em alguns poucos vídeos, crianças e adolescentes dizem estar com o pai ou a mãe e até presenteiam familiares. Nas filmagens, os supostos responsáveis sempre demonstram surpresa com o trabalho altamente rentável do filho.
O g1 localizou os pais de uma menina de Minas Gerais que divulga esses cursos. No Instagram, ela tem mais de 230 mil seguidores e os vídeos publicados contam com milhares de visualizações.
O pai dela inicialmente demonstrou interesse em dar entrevista, mas logo parou de responder aos contatos.
Dias depois, também por mensagens, a mãe confirmou que a filha tem 13 anos e considera que aquilo é um trabalho, o que pode ser indício de trabalho infantil, analisa Denise Auad, da comissão dos direitos da criança e do adolescente da Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo (OAB SP).
A mãe disse ainda que a menina “tira um bom dinheiro no digital”, sem informar valores. E que os pais preferem deixar o montante guardado, para que a filha administre melhor, no futuro.
Durante vários dias, o g1 tentou marcar uma entrevista com essa mãe. Mas, num último contato, ela disse que conversou com o marido e eles decidiram que não queriam mais falar, para “não expor muito a imagem da filha”.
Não foi possível saber se a adolescente tem autorização judicial para divulgar esses conteúdos. No Brasil, o trabalho antes dos 16 anos só é permitido em lei para fins artísticos e com autorização judicial, explica Kelli Angelini, advogada especialista em educação digital. Isso inclui atuar com influenciador nas redes sociais.
“É um caso gravíssimo porque as crianças que divulgam e as que assistem a isso são as verdadeiras vítimas. E o mais preocupante é como isso vem influenciando outras crianças a desvalorizar os estudos”, diz Denise Auad.
Eles podem estar sendo usados por indivíduos mal-intencionados para praticar fraude (estelionato), avalia Kelli Angelini, advogada especialista em educação digital e autora do livro “Segredos da internet que crianças e adolescentes ainda são sabem”.
Para João Francisco Coelho, advogado do programa Criança e Consumo do Instituto Alana, existe um “modus operandi” muito claro e bem delimitado quanto ao tipo de conteúdo que vai ser publicado por essas crianças e a linguagem que vai ser utilizada.
Denise ainda cita algumas ilegalidades que os responsáveis podem estar cometendo, como crimes ligados ao trabalho forçado, falsidade ideológica, difamação e golpes virtuais.
O que diz a Kiwify
“A Kiwify possui uma política clara e rigorosa em relação à idade mínima para o uso da plataforma. De acordo com nossos termos de uso, apenas pessoas físicas com idade mínima de 18 anos ou emancipadas, e que sejam plenamente capazes de exercer direitos e deveres na ordem civil, podem se cadastrar como usuários. Além disso, representantes de pessoas jurídicas devem estar devidamente autorizados a vinculá-las à plataforma. Ou seja, para realizar transações comerciais, é necessário ter mais de 18 anos, e as operações de vendas somente são aceitas perante comprovação de que a conta bancária seja a mesma do titular do cadastro. Os usuários são obrigados a fornecer informações válidas que comprovem sua idade e capacidade civil. Se for identificado que o usuário não atende a esses requisitos, o cadastro é automaticamente bloqueado, impedindo o uso da plataforma.
Nossa política de premiação é estruturada para recompensar o trabalho e o esforço dos infoprodutores, com base em métricas objetivas de faturamento. Esclarecemos que as premiações são enviadas exclusivamente ao titular da conta, partindo da premissa de que a gestão é feita por uma pessoa adulta, com 18 anos ou mais, já que a participação na plataforma e a venda de produtos estão restritas a maiores de idade. A partir deste momento, implementaremos uma revisão operacional para evitar a recorrência de situações semelhantes a essa.
A Kiwify se destaca por facilitar ao máximo o processo de reembolso dos compradores dos cursos de nossos usuários. Tanto que fomos, pelo segundo ano consecutivo, indicados ao prêmio do Reclame Aqui, maior prêmio de reputação e experiência do cliente do Brasil. Além disso, possuímos atualmente uma nota geral de 8.2 (“ótimo”) e 83% de índice de solução neste canal.
A Kiwify, seus sócios ou quaisquer outras entidades relacionadas não possuem qualquer vínculo com essa empresa [Cakto]”.
O que diz a Cakto
“Como preceitua os termos da plataforma Cakto, menores de idade são proibidos de realizar cadastros na plataforma, bem como realizar vendas utilizando a mesma. Para que o cadastro dentro da plataforma seja concluído, é necessário que seja apresentado documento pessoal com foto, do qual passa por uma rigorosa análise pelo setor de compliance. Além disso, contas que são identificadas sendo operadas por menores de idade são suspensas pelo nosso suporte.
A plataforma Cakto segue rigorosamente o que dispõe o código do consumidor quando se fala de solicitações de reembolso. Dessa forma, sempre que um consumidor solicita o reembolso direto a plataforma, o mesmo é atendido prontamente pela equipe.
Vale ressaltar que após o período de arrependimento, a plataforma somente se responsabiliza sobre vícios e problemas com os produtos na plataforma, após esse período de 7 dias o reembolso deve ser solicitado diretamente ao vendedor.
A empresa Cakto não possui qualquer relação com a empresa Kiwify”.

Fonte da Máteria: g1.globo.com