Se antes a Universidade de Yale custava 5 mil dólares por ano, hoje custa 90 mil e parece cada vez mais que o sonho americano ficou no passado. O Sonho Americano: 3º capítulo da série mostra como inflação causa ‘crise de esperança’ nos EUA
O sonho americano surgiu nos Estados Unidos como uma promessa de ascensão social e estabilidade econômica. A ideia seria que cada geração pudesse viver melhor do que a anterior. Mas a inflação dos últimos anos vem quebrando esse contrato.
Esta reportagem faz parte da série “O Sonho Americano”. A equipe da TV Globo percorreu estados-chave nas eleições presidenciais dos EUA para descobrir o que está impactando os eleitores neste ano. O terceiro capítulo é sobre inflação.
O SONHO AMERICANO
Episódio 1, Democracia: Crianças arrecadam US$ 1 milhão para construir parquinho e incluir alunos com deficiência em escola dos EUA
Episódio 2, Economia: ‘Cheeseheads’: Como o queijo virou símbolo de Wisconsin e o que isso revela sobre a economia americana
Atualmente, a sociedade americana se vê diante de um cenário desafiador, onde muitos consideram impossível a compra do primeiro imóvel e lutam para manter tradições como o ‘tailgate’ — o churrasco antes das partidas de futebol americano.
Enquanto isso, o empresário Bob Atwell, que começou sem nada e agora lidera um banco de bilhões, personifica o ideal de sucesso que parece cada vez mais distante para os mais jovens.
Bob nasceu na zona rural de Wisconsin e foi criado pela mãe sem ter muitas perspectivas financeiras.
“A gente não vivia na pobreza, como você vê no Brasil, mas o dinheiro era apertado.”
Apesar disso, Bob estudou, foi para a faculdade e na pós-graduação conseguiu entrar na Universidade de Yale, uma das mais respeitadas do mundo. E na época, os valores também eram outros: “Eu pagava US$ 5 mil por ano”, comenta o bilionário.
Quando terminou os estudos, Bob quis voltar a morar perto de casa e resolveu voltar para o Winsconsin.
Sem muitos contatos e sem muitas opções, Bob topou a primeira — e única — oportunidade que surgiu. Para alguém que vinha de origens humildes como ele, ganhar US$ 55 mil por ano era um sonho tornado realidade e o suficiente para que Bob comprasse uma casa junto com sua esposa.
“Eu paguei US$ 89 mil em 1993. A mensalidade da prestação do financiamento era US$ 500.”
Com um salário como o que tinha, uma casa bonita de cerca branca, uma esposa, filhos e dinheiro o suficiente para lidar com gastos e ainda sobrar um pouco, Bob Atwell tinha em suas mãos o sonho americano.
Um sonho que, hoje em dia, fica cada vez mais distante dos jovens que sofrem diretamente com uma inflação impiedosa e que agora colhe os reflexos da pandemia da Covid-19.
Bob Atwell é um milionário dono de banco nos EUA
Alex Carvalho/TV Globo
Pagando a conta da Covid
Durante a pandemia, o banco central americano imprimiu US$ 5 trilhões para ajudar o governo a pagar trabalhadores que não podiam trabalhar, além de também auxiliar negócios, estados e munícipios com suas contas. Na época, foi um sucesso. Inclusive, por terem gastado pouco, os americanos conseguiram um acumulado de US$ 2,1 trilhão na poupança.
O problema é que, quando a pandemia acabou, os preços subiram e a conta veio. Agora, alguns anos depois da crise de saúde global, os Estados Unidos sofrem com um preço médio 20% mais caro em comparação com os valores da pandemia de Covid-19.
O encarecimento generalizado afeta até mesmo o ‘Tailgate’, o famoso churrasco que os americanos fazem no estacionamento antes de uma partida de futebol americano. Jovens dos Estados Unidos reclamam que os preços de alimentos aumentaram e que o sonho americano, antes realizável para alguém que veio do nada como Bob Atwell, agora parece completamente inalcançável.
Comparação de preços
Se Bob pagava US$ 5 mil por ano para estudar na Universidade de Yale, um aluno da mesma faculdade precisa desembolsar US$ 90 mil anualmente. A casa do bilionário, antes precificada em US$ 89 mil, agora é avaliada em US$ 250 mil.
E para complicar ainda mais a situação, o salário de Wisconsin caiu com o passar dos anos, mesmo com tudo ficando mais caro. Se Bob, durante os anos 90, ganhava US$ 55 mil por ano, hoje em dia o salário médio da região é de US$ 43 mil anuais.
Ou seja, para manter um padrão de vida similar ao de uma pessoa que conseguia viver o sonho americano em 1990, como era o caso de Bob Atwell, atualmente um casal precisaria ganhar no mínimo US$ 161 mil por ano em Wisconsin.
Consequências da falta do sonho americano
Segundo especialistas, essa mudança brusca de qualidade de vida contribuiu para o aumento de grandes crises de opioides, alcoolismo e suicídio. Sim, os estadunidenses ainda estão entre as populações mais ricas do mundo, mas a quebra de contrato do sonho americano fez muitas dessas pessoas perderem a esperança que outras gerações tinham.
A promessa era de que qualquer pessoa em solo americano poderia se tornar um Bob Atwell se quisesse, e fazer como ele, que começou do nada e trilhou o próprio caminho a ponto de, junto com um sócio, abrir um banco e hoje em dia ser dono de US$ 9 bilhões em ativos.
Entretanto, atualmente, fica cada vez mais difícil de acreditar que isso possa ser possível para as novas gerações, que enxergam neste sonho americano apenas uma relíquia do passado.
Mesmo assim, Bob Atwell tenta transmitir otimismo para a juventude:
“Eu converso muito com os mais jovens. Eu os encorajo a não ter medo de que vão ter uma vida um pouco mais difícil do que eu tive. Trabalhe duro, seja humilde, seja bom pro seu vizinho, e você também terá uma vida de riqueza.”
O tailgate
‘Tailgate’ antes de jogo da NFL no Wisconsin
Alex Carvalho/TV Globo
“Tailgate” é o nome dado à parte móvel da caçamba de uma caminhonete. Informalmente, virou o nome do churrasquinho antes das partidas de futebol americano – nos Estados Unidos, os estádios são conhecidos pelos grandes estacionamentos ao redor.
É o caso em Wisconsin, casa do Green Bay Packers, maior campeão da Liga de Futebol Americano (NFL, na sigla em inglês). Para passar o tempo, os torcedores conversam enquanto comem carne, muitas vezes proveniente das fazendas de gado do próprio estado.
Mesmo com a carne “caseira”, os americanos têm encontrado dificuldade para fazer o churrasco do tailgate. A inflação nos EUA chegou a um pico de 9% ao ano em junho de 2022, quando o mundo voltava à normalidade pós-pandemia. Hoje, a taxa está em torno de 2%, que é a meta no país.
Isso, no entanto, não quer dizer que o poder de compra do americano tenha acompanhado a alta dos preços nos últimos anos.
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Fonte da Máteria: g1.globo.com