Conhecido por obras sombrias e surrealistas, cineasta não teve a causa da morte revelada, mas sofria de enfisema pulmonar. O cineasta David Lynch no Festival de Cinema de Roma, em 4 de novembro de 2017
Domenico Stinellis/AP
Morto aos 78 anos, o diretor estadunidense David Lynch tem sido homenageado por seu legado ao cinema e à TV. A causa de sua morte não foi divulgada, mas ele tinha enfisema pulmonar.
“Eu adorava os filmes de David. ‘Veludo Azul’, ‘Cidade dos Sonhos’ e ‘O Homem Elefante’ o definiram como um sonhador visionário e singular que dirigiu filmes que pareciam feitos à mão”, disse o cineasta Steven Spielberg, em uma declaração ao site “Variety”.
“Eu conheci David quando ele interpretou John Ford em ‘Os Fabelmans””, continuou Spielberg. “O mundo vai sentir falta de uma voz tão original e única. Seus filmes já resistiram ao teste do tempo e sempre resistirão.”
“Há 42 anos, por razões além da minha compreensão, David Lynch tirou-me da obscuridade para protagonizar o seu primeiro e último filme de grande orçamento. Ele claramente viu algo em mim que nem eu reconheci. Devo toda a minha carreira e a minha vida à visão dele”, escreveu o ator Kyle MacLachlan, que trabalhou com David na série “Twin Peaks” e nos filmes “Veludo Azul” (1986) e “Duna” (1984).
‘Twin Peaks’: David Lynch revolucionou a história da TV ao criar essa obra-prima
David Lynch recebe homenagens de Steven Spielberg e outras estrelas
O ator Kyle MacLachlan (à dir.) e o cineasta David Lynch (à esq.), em foto postada por MacLachlan para homenagear o colega
Reprodução
“O que vi nele foi um homem enigmático e intuitivo com um oceano criativo a explodir dentro dele. Ele estava em contato com algo que o resto de nós desejava ter”, continua o ator em sua publicação no Instagram, que veio acompanhada de uma sequência de fotos dos dois juntos.
“David estava em sintonia com o universo e a sua própria imaginação num nível que parecia ser a melhor versão do ser humano. Ele não estava interessado em respostas porque ele entendia que as perguntas são o impulso do que nos torna quem somos. Elas são a nossa respiração.”
O cineasta Ron Howard escreveu no X (o antigo Twitter): “Um homem gracioso e um artista destemido que seguiu seu coração e alma e provou que a experimentação radical pode render um cinema inesquecível”.
“Quando me ofereceram a chance de trabalhar com David por um dia, agarrei a oportunidade para ver como uma mente como aquela dirigia. Era um dia na ‘Cidade dos Sonhos’. Na verdade, ele era um artista único”, publicou a atriz Lee Grant.
A diretora Jane Schoenbrun afirmou: “Como Kafka e Bacon, ele dedicou sua vida a abrir um portal. Ele foi o primeiro a me mostrar outro mundo, um lindo mundo de amor e perigo que eu sentia, mas nunca tinha visto acordada. Obrigada, David, seu presente vai reverberar pelo resto da minha vida”.
Houve ainda outras homenagens ao americano. Por exemplo, o diretor Jason Zada o definiu como destemido e visionário. E o roteirista James Gunn disse que ele é uma inspiração para o setor.
David Lynch
Frederick M. Brown / GETTY IMAGES NORTH AMERICA / AFP
David Lynch
Conhecido por histórias surrealistas e sombrias e um humor desconcertante, o cineasta recebeu quatro indicações ao Oscar ao longo da carreira. Ele dirigiu obras lendárias como o filme “Cidade dos sonhos” (2001) e a série “Twin Peaks”.
Depois de considerar seguir carreira como pintor na juventude, ofício que chegou a estudar, David passou a se dedicar à realização de curtas.
Em 1977, ele ficou conhecido logo com seu primeiro longa-metragem, o independente “Eraserhead”, que se tornou cult com os anos.
O reconhecimento veio rápido e ele foi contratado para escrever e dirigir “O homem elefante” (1980). A história estrelada por John Hurt e Anthony Hopkins sobre vida de um homem desfigurado recebeu oito indicações ao Oscar — incluindo as de roteiro adaptado e direção para Lynch.
Cena do documentário ‘David Lynch: A Vida de um Artista’ (2016)
Divulgação
Depois do fracasso com a adaptação da ficção científica de “Duna” (1984), ele se recuperou com um combo duplo de sucessos.
Em 1986, recebeu uma nova indicação ao Oscar pela direção do noir surrealista “Veludo azul”. Seu projeto seguinte, “Coração selvagem” (1990), ganhou a Palma de Ouro no Festival de Cannes.
No mesmo ano, revolucionou a TV americana com o lançamento da série de mistério “Twin Peaks”. Com a investigação da morte de uma colegial (Sheryl Lee) em uma pequena cidade, o drama conquistou status cult, mesmo após o cancelamento na segunda temporada.
Depois, o projeto ganhou o filme “Twin Peaks: Os últimos dias de Laura Palmer” (1992) e uma nova temporada, 25 anos depois, em 2017.
Para gerações mais recentes, Lynch talvez seja mais conhecido também pelo suspense com ares surrealistas “Cidade dos sonhos” (2001), filme que alçou a atriz Naomi Watts (de “King kong” e “21 gramas”) ao estrelato.
Para Lynch, a obra também trouxe reconhecimento: rendeu a ele o prêmio de melhor diretor no Festival de Cannes, em 2001, e uma indicação ao Oscar.
O diretor também costumava fazer participações como ator e a mais recente foi em “Os Fabelmans” (2022), na pele de outro diretor lendário, John Ford.
David Lynch posa no Festival de Roma em novembro de 2017
Fred Dufour/Pool/AFP
Vinda ao Brasil
Em 2008, ele veio ao Brasil pela primeira vez, para divulgar seu livro “Em águas profundas – criatividade e meditação”.
“Um artista não precisa sofrer para mostrar sofrimento, ele só tem que entender o sofrimento. A intuição é o principal instrumento de um artista. Sou uma pessoa feliz por dentro, mas minhas histórias refletem o mundo real, e vivemos num mundo negativo”, disse o diretor, que começou a se dedicar à meditação durante os anos 1970. Ele atribuía a ela as ideias que deram origem a seus filmes.
“É uma técnica mental que ajuda a criatividade e abre a porta para um nível de vida mais profundo, o infinito, sem limites”, disse ele, sobre a meditação transcendental. “Você pratica um mantra, que te coloca na base entre a matéria e a mente. De repente, tudo se expande e a vida fica muito boa.”
Lynch contou que essa filosofia estava presente nos bastidores de todas as suas filmagens. “Gosto de trabalhar num set feliz, como uma família. Acho que o set tem que ser um lugar seguro para o ator, onde ele possa se aprofundar. Acho que o medo e pressão prejudicam a criatividade e, consequentemente, prejudicam o trabalho.”
Fonte da Máteria: g1.globo.com