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De ministro do 'milagre econômico' a conselheiro de Lula: conheça os feitos de Delfim Netto


Economista se destacou como professor universitário, passou pelo poder público durante a ditadura militar e se reinventou como uma das vozes mais influentes da economia brasileira. Ele morreu nesta segunda-feira (12), aos 96 anos. Delfim Netto
Felipe Rau/Estadão Conteúdo
Delfim Netto foi um dos principais nomes da economia brasileira. Em um artigo publicado no g1, o colunista Valdo Cruz define a atuação de Delfim como “um crítico em tom ácido, mas sem nunca perder o bom humor, um analista refinado, profundo e que costumava antecipar movimentos na economia brasileira e mundial”.
Delfim morreu nesta segunda-feira (12), em São Paulo, aos 96 anos. O economista esteve à frente da economia brasileira no período da ditadura militar conhecido como “Milagre Econômico”, mas também deixou o um país com uma dívida externa elevadíssima, inflação em alta e perda de renda da população mais pobre do país.
Chegou ao cargo com 38 anos, em 1967. Foi o chefe da economia durante os governos de Artur da Costa e Silva e Emílio Médici, e um dos signatários do Ato Institucional número 5 (AI-5) em 1968, no pior período da ditadura. Deixou o posto em 1974, como o mais longevo na função.
De 1975 a 1978 foi embaixador do Brasil na França. Após sua volta ao país foi ministro, também, da Agricultura e, depois, do Planejamento, de 1979 até 1985, no governo de João Batista Figueiredo.
Em 1987, foi eleito deputado federal pela primeira vez. Ficou no cargo até 2007. No meio tempo, deu uma guinada para se afastar da pecha de ministro da ditadura. Em 2002 e em 2006, declarou apoio ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), e se tornou um de seus conselheiros quando o assunto era a economia.
Por sua influência em Brasília, aliada à forte presença acadêmica como professor da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária da Universidade de São Paulo (FEA-USP), tornou-se um mentor para parte de seus alunos e colegas, além de requisitado analista.
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Delfim da academia
Antônio Delfim Netto nasceu em São Paulo, em 1° de maio de 1928. Tornou-se bacharel em economia pela FEA-USP em 1951. No ano seguinte, passou a lecionar na escola como professor assistente.
Em sua carreira acadêmica, ganhou amplo destaque com a tese “O Problema do Café no Brasil”, que o fez conquistar o título de Professor Livre-Docente em 1959. O estudo tratava da dependência brasileira do café como principal produto de exportação e, consequentemente, principal porta de entrada de dólar no país.
Isso, apontou Delfim, era prejudicial para a taxa de câmbio, que não podia contar com um fator de valorização da moeda nacional. A expansão das exportações de outros bens para o mundo, então, seria a chave para resolver o problema.
Anos depois, em 1963, a tese “Alguns Problemas do Planejamento para o Desenvolvimento Econômico”, que estuda diferentes modelos de desenvolvimento da economia, averiguando, dentro de cada um deles, como algumas variáveis básicas se comportavam, como taxa de investimento e relação entre produto e capital.
O trabalho o elevou a Catedrático de Teoria do Desenvolvimento Econômico da FEA. Recebeu, por fim, o título de professor emérito.
Delfim Netto foi figura central na vida política e econômica do Brasil nas últimas décadas
Delfim do poder público
Já com um trabalho reconhecido nas universidades, Delfim assumiu o cargo de secretário da Fazenda do Estado de São Paulo em 1966. No ano seguinte, foi nomeado ministro da Fazenda.
Em sua gestão, a taxa média de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) do país foi de cerca de 10%. Entre 1971 e 1973, o PIB alcançava cerca de 13% ao ano, com as indústrias de bens de consumo duráveis, bens de produção, construção civil e bens intermediários como os setores de maior sucesso.
A equipe econômica priorizava a busca pelo crescimento econômico, com foco especial na indução dos investimentos públicos, incentivo de crescimento no setor privado e um forte incentivo às exportações.
Foram dadas isenções fiscais, créditos especiais para empresas que exportavam e desvalorizações da moeda nacional em relação ao dólar para tornar os produtos brasileiros mais atrativos no comércio exterior.
Pelo lado do investimento público, o governo dava ênfase aos “projetos de impacto”, como o Plano de Integração Nacional de 1970, que construiu a rodovia Transamazônica e o Programa de Assistência ao Trabalhador Rural, de 1971.
O estímulo à economia servia de propaganda para a ditadura militar. Mas os investimentos resultaram em um aumento significativo do endividamento brasileiro, que virou um dos principais problemas para as gestões posteriores.
A dívida externa bruta do país de médio e longo prazo passou de US$ 3,666 bilhões em 1966 para US$ 12,572 bilhões em 1973, segundo o Atlas Histórico do Brasil, da FGV. Além disso, o crescimento econômico foi absorvido de forma desigual pela população, beneficiando as pessoas de classes sociais mais altas.
“O valor real do salário mínimo caiu, e a parte mais pobre da população viu sua participação na renda nacional decrescer de mais de 1/6 em 1960 para menos de 1/7 em 1970”, aponta a FGV.
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Vida após o Ministério da Fazenda
Já nos anos 1980, Delfim voltou a fazer parte da ala econômica do governo, como ministro do Planejamento. O cenário externo era completamente diferente do que na década de 1970, com o mundo passando pelos efeitos do segundo choque do petróleo.
Com o país endividado, houve poucos instrumentos para combater as pressões de inflação em todo o mundo. A década de 80 foi apelidada de “a década perdida”, e o período foi marcado por quedas do PIB brasileiro e a escalada dos preços.
Delfim saiu do cargo carregando o descontentamento de vários setores da sociedade. Um dos bordões das manifestações sociais mais comuns da época, inclusive, era “estamos a fim da cabeça do Delfim”.
Em 1987, tornou-se deputado federal e passou a contribuir com a pauta econômica da Constituinte. Depois de criticar o Plano Cruzado, de José Sarney, e a política cambial característica do governo de Fernando Henrique Collor, Delfim se aproximou de Lula em 1998, quando o petista disputou eleições com FHC.
Declarou apoio para Lula em 2002 e em 2006 e, no segundo mandato do presidente, foi parte dos conselhos do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e da EBC. Tornou-se um influente conselheiro econômico dos governos de Lula.
Também aconselhou a sucesssora, Dilma Rousseff. Delfim divergia da condução econômica do governo, mas se posicionou dizendo que a ex-presidente errou, mas não sozinha.
Pouco antes de Michel Temer assumir a presidência com o impeachment de Dilma, Delfim ajudou o PMDB (partido de Temer) a criar o documento “Uma Ponte Para o Futuro”, que tratava sobre a necessidade do país passar por um ajuste fiscal e uma flexibilização no Orçamento.
O apoio ao AI-5
O Ato Institucional número 5 (AI-5) em 1968, fechou o Congresso Nacional, promoveu a fase mais violenta de repressão aos adversários políticos da ditadura, com centenas de mortes e desaparecimentos. Delfim fez parte de sua instauração.
Em 2013, durante a Comissão da Verdade Vladimir Herzog, realizada na Câmara Municipal de São Paulo, Delfim disse que “se as condições fossem as mesmas e o futuro não fosse opaco”, voltaria a assinar o decreto.
Ressaltou, porém, que “não só” assinou o AI-5, como também assinou a Constituição de 1988. “Nunca apoiei a repressão. O AI-5 tinha um objetivo. Você estava em um momento muito difícil e tinha todo um projeto de reeditar a Constituição e fazer a eleição em 1969”, pontuou Delfim.
Já em 2021, em entrevista ao portal “UOL”, o ex-ministro voltou a defender o decreto e disse que voltaria a assiná-lo.
“Aquilo era um processo revolucionário, vocês têm que ler jornais daquele momento. As pessoas não conhecem história, ficam julgando o passado, como se fosse o presente. Naquele instante foi correto, só que você não conhece o futuro”, comentou.
Porém, Delfim afirmou que, nos dias de hoje, aqueles que defendem uma medida semelhante ao que foi o AI-5 “são uns idiotas” e que “quando se assinou o AI-5, o que se imaginava era que o habeas corpus seria para proteger o cidadão, não para matá-lo”.

Fonte da Máteria: g1.globo.com