Mesmo com impacto inicial, previsão de economistas é que PIB dos próximos anos tenham alta em meio ao processo de recuperação do estado. Veja os fatos marcantes desde o início do maior desastre climático da história do Rio Grande do Sul
Jornal Nacional/ Reprodução
A tragédia que assolou o Rio Grande do Sul (RS) no último mês, com chuvas e enchentes que deixaram mais de uma centena de mortos e milhares de desabrigados, deve trazer impactos no Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil nos próximos meses, dizem especialistas.
Embora os efeitos das cheias já sejam sentidos pela população gaúcha, a repercussão na economia nacional ainda não começou a ser medida com clareza.
Os últimos dados do PIB, por exemplo, divulgados nesta terça-feira (4) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), medem apenas o crescimento da economia brasileira nos três primeiros meses do ano, quando houve uma alta de 0,8%.
Para o segundo trimestre, a estimativa de analistas ouvidos pelo g1 é que a economia de todo o país deixe de crescer — e há quem espere até mesmo uma retração da atividade para o período.
Parte desse cenário já pode ser visto em alguns indicadores. O Indicador de Incerteza da Economia (IIE-Br), calculado pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), por exemplo, subiu 6,4 pontos em maio, para 112,9 pontos, no maior nível desde março de 2023 (116,7 pontos).
“Uma análise de nuvem de palavras contidas nos textos que foram identificados como sinalizadores de incerteza econômica mostra um forte aumento no mês de citações ao Rio Grande do Sul, sugerindo um aumento de incertezas relacionadas ao desastre ambiental na região”, diz Anna Carolina Gouveia, economista do FGV Ibre.
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Os impactos do desastre no PIB
Para a XP Investimentos, os reflexos da tragédia no Rio Grande do Sul devem fazer o PIB do país ficar próximo de zero no segundo trimestre. Antes, a projeção era de elevação de 0,5% para o período, afirma o economista Rodolfo Margato.
“Na visão de 2024, por enquanto mantemos o cenário de crescimento de 2,2% para o PIB total”, diz. “Mas há um viés de baixa devido às enchentes. Por ora, estimamos impacto líquido negativo de 0,2 a 0,3 ponto percentual [p.p.] no PIB total de 2024.”
Já o economista-chefe da EQI Asset, Stephan Kautz, calcula que o desastre deve ter um reflexo negativo de 0,7 p.p. no PIB brasileiro em 2024.
Com isso, a projeção de Kautz é que a economia do país cresça 0,8% no ano – um cenário mais conservador. Antes da tragédia, a estimativa do especialista era de um avanço de 1,5%.
O cálculo do economista é baseado nas perdas já divulgadas pelo setor produtivo do RS, considerando quedas entre 30% e 50% no PIB regional no segundo trimestre. A partir desses dados, ele calcula os impactos na economia brasileira, considerando o peso que o estado tem para o resultado final.
Conforme a projeção do especialista, o PIB nacional deverá recuar 1,1% no segundo trimestre frente aos três primeiros meses do ano, em função da tragédia. À frente, a previsão é que o terceiro e o quarto trimestres tenham altas semelhantes, de 0,9%.
Possíveis impactos no agro
O setor mais afetado pelas cheias no Rio Grande do Sul foi o da agropecuária, com um prejuízo estimado em R$ 3,1 bilhões na agricultura e em R$ 272 milhões na pecuária até agora, segundo a Confederação Nacional de Municípios (CNM).
A agropecuária gaúcha é importante para o Brasil, principalmente na produção de arroz: 70% de todo o consumo do produto no país vem do Rio Grande do Sul.
Vale lembrar que antes mesmo das enchentes deste ano, o mercado já via problemas na atual safra do alimento, resultado dos menores estoques e do plantio atrasado no Sul, que vieram em consequência das cheias de 2023.
Conforme mostrou reportagem do g1, a estimativa era de que, na safra atual, o país somasse 10,6 milhões de toneladas do cereal. Mas com as enchentes no Sul, o montante pode cair para menos de 10 milhões. Ainda, a expectativa era de que o RS contribuísse com 7,5 milhões de toneladas nesta safra, mas 800 mil toneladas podem estar agora debaixo d’água.
Outros alimentos, como a soja, também tiveram sua produção e escoamento afetados por conta das enchentes. Os impactos devem começar a aparecer traduzidos em números nos próximos meses. Por enquanto, a principal previsão de analistas já estima uma aceleração na inflação dos alimentos.
Indústria também sente os efeitos
Além do agro, a indústria do estado também foi bastante impactada. Segundo o levantamento da CNM, o prejuízo da indústria já chegou a R$ 267 milhões.
Um estudo realizado pela Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (FIERGS) sobre o impacto da catástrofe mostra, também, que 47 mil do total de 51 mil indústrias do estado estão localizadas nos municípios afetados – em estado de calamidade pública ou situação de emergência. Essas empresas também representam 87,2% dos empregos industriais da região.
A federação explica que os locais mais atingidos pelas cheias históricas incluem os principais polos industriais do estado, responsáveis por “segmentos significativos para a economia”.
Entre os locais, a FIERGS destaca:
o Vale dos Sinos, que emprega cerca de 160 mil pessoas e tem força na produção de calçados;
a Região Metropolitana, que emprega cerca de 127 mil pessoas e tem força na produção de veículos, autopeças, máquinas, derivados de petróleo e alimentos;
a Região da Serra, que emprega cerca de 115 mil pessoas e tem força na produção de veículos, máquinas, produtos de metal e móveis.
“Uma infinidade de empresas teve suas dependências completamente comprometidas. Além dos danos gigantescos de capital, os problemas logísticos devem afetar de forma significativa todas as cadeias econômicas do estado”, comenta Arildo Bennech Oliveira, da FIERGS.
Além disso, especialistas explicam que os efeitos das enchentes podem não ficar limitados ao RS em alguns setores. É o caso da indústria plástica, por exemplo.
Isso porque o estado tem alguns dos maiores polos de produção de insumo petroquímico, além de ser o segundo maior do país no número de empresas transformadoras de plástico (que transformam a matéria-prima em produtos para o consumidor, como garrafas e materiais de saúde descartáveis, por exemplo).
Ao todo, são mais de 1.200 empresas no RS, atrás apenas de São Paulo.
Segundo Flávio Silva, diretor da Ohxide Consultoria, as empresas que produzem a matéria-prima, como a Braskem, por exemplo, devem se recuperar mais rápido do que o setor de transformação – tanto pelo tipo de atividade desenvolvida quanto pela própria capacidade financeira das companhias.
Porém, a dificuldade para o escoamento da produção e a destruição dos espaços físicos dessas empresas podem causar uma pressão nos preços desses insumos, que são matéria-prima básica para diversos segmentos, como material de limpeza e material hospitalar, explica Silva.
Assim, um dos efeitos que ainda podem ser sentidos é uma pressão inflacionária em diferentes cadeias produtivas da indústria.
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Reconstrução e recuperação lenta
As projeções para o PIB evidenciam um cenário marcado por um forte impacto inicial, que deverá ser seguido por uma recuperação mais devagar – característica comum após desastres ambientais desse porte, ressalta Kautz, da EQI Asset.
“Esse período de reconstrução é diferente do que aconteceu na pandemia, quando houve uma queda muito forte e uma retomada muito rápida”, exemplifica. “Em tragédias como a atual, também ocorre uma queda acentuada, mas a reconstrução é mais lenta.”
Entre as barreiras para a retomada da produção – e, consequentemente, para o aumento do PIB –, estão a perda de itens de capital fixo, como máquinas e equipamentos, o que atrasa ou prejudica o retorno das empresas às atividades.
Diante do cenário, a estimativa do especialista é que um terço da recuperação econômica após o desastre aconteça no terceiro trimestre e mais um terço ocorra nos últimos três meses do ano.
“O restante fica para 2025, tanto que puxamos nossa projeção para o PIB do ano que vem um pouco para cima”, diz o economista-chefe da EQI Asset.
Esse incremento na economia a partir do próximo ano é resultado, justamente, da maneira como ocorre o processo de reconstrução após tragédias como essa.
Os estragos demandam obras longas, incluindo projetos de infraestrutura, que se estendem por anos. “Isso joga um impulso positivo para o PIB em 2025”, continua Kautz, dando como exemplo a reconstrução de estradas e pontes.
Medidas do governo
O economista Yuri Alves, da Guide Investimentos, afirma que a corretora aguarda novos dados para reajustar suas previsões sobre o PIB. Ele destaca, contudo, que a empresa já vinha mantendo uma projeção “conservadora”, de crescimento de 1,8% na economia em 2024.
“Pela frente, o mais importante é conferir se haverá, de fato, injeção [de recursos] por parte do governo federal. A maioria das medidas anunciadas até agora se concentra em renúncia de impostos e antecipações de benefícios, sem uma sinalização efetiva do que o governo está disposto a gastar”, diz.
O especialista se refere a medidas como o Saque Calamidade do FGTS e o pagamento antecipado de benefícios como o Bolsa Família e o Abono Salarial. Em outra frente, há o Auxílio Reconstrução, que prevê o pagamento de R$ 5,1 mil às famílias, em parcela única, para ajudar na compra de móveis e eletrodomésticos.
“Eu não vejo essas medidas tendo um impacto relevante no PIB”, afirma Alves, da Guide.
Para o economista, o governo “pisa em ovos” ao evitar elevar os gastos – observando a questão fiscal – ao mesmo tempo em que busca lançar medidas de ajuda à região.
Ele também acredita que, apesar das perdas ainda imensuráveis da tragédia, os resultados do PIB de 2025 e dos anos seguintes tendem a ter incrementos, justamente pelo processo de reconstrução.
“Perdemos máquinas, casas, estradas. E, quando é preciso reconstruir, o recomeço acontece do zero. Assim, se repensa toda a cadeia produtiva”, explica, destacando que faz parte desse processo visar um “futuro mais produtivo”.
“Não acredito que o impacto será 100% vislumbrado em 2025. Mas, ao decorrer dos próximos dois anos, a gente pode ver uma melhora significante”, conclui.
Fonte da Máteria: g1.globo.com