Juros altos em países desenvolvidos tornam os emergentes menos atrativos. Incertezas sobre quadro fiscal também agravam situação do Brasil. Presidente do Federal Reserve, Jerome Powell, em entrevista coletiva após decisão sobre juros, em Washington, nos EUA. (1/5/24)
Reuters/Kevin Lamarque
O Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano) decidiu, mais uma vez, manter os juros básicos inalterados nos Estados Unidos nesta quarta-feira (12). Com isso, as taxas continuam em uma faixa entre 5,25% e 5,50% ao ano, e seguem no maior nível desde 2001.
A manutenção das taxas, como tem sido de praxe nos últimos encontros do Comitê Federal de Mercado Aberto (Fomc), já era esperada pelo mercado.
A ferramenta FedWatch do CME Group, por exemplo, apontava uma probabilidade de 99,9% de que o Fed deixasse os juros no mesmo patamar na reunião desta quarta-feira. As chances de um início do ciclo de corte das taxas só ficam maiores em setembro, com 61,3% prevendo uma redução.
Além disso, a decisão vem mesmo após dados mais brandos de inflação e atividade nos Estados Unidos.
Do lado de cá do hemisfério, o Brasil não pode tirar os olhos desse impasse nos EUA. Isso porque juros mais altos em um país desenvolvidos tornam os emergentes menos atrativos. E o aumento de risco interno, desde a mudança da meta fiscal, agrava a situação.
Entenda melhor abaixo.
Por que os juros nos Estados Unidos impactam o Brasil?
Apesar de a taxa básica dos Estados Unidos não ter uma relação direta com a Selic (taxa básica do Brasil), a manutenção dos juros em patamares elevados por parte do Fed afeta uma série de variáveis externas que podem, sim, influenciar a economia por aqui.
Um exemplo é o impacto desse cenário na alocação de recursos por parte dos investidores internacionais.
Quando os juros norte-americanos estão elevados, a rentabilidade dos Treasuries (títulos públicos dos EUA), os mais seguros do mundo, é maior. Assim, quem busca segurança e boa remuneração prioriza o investimento no país, e se afasta de países emergentes, como o Brasil.
Com o fluxo de dólares direcionado aos EUA, a taxa de câmbio piora por aqui — o que, por sua vez, pode complicar a inflação.
Nesse caso, a taxa de câmbio pode ter influência nos preços domésticos em diferentes frentes, como por meio da importação de produtos e insumos ou mesmo pela equiparação dos preços praticados no Brasil com o mercado internacional — ou seja, para que não faltem produtos no Brasil (principalmente os essenciais), o preço de itens produzidos no Brasil e exportados sobe internamente para acompanhar a variação do dólar.
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Com inflação em alta, as chances de o Comitê de Política Monetária (Copom) reduzir o ritmo de cortes— ou até mesmo encerrar o ciclo de quedas da Selic — por aqui, também aumentam.
Na prática, isso significa que os juros ficam em patamares mais elevados, encarecendo o custo de dívida para empresas e consumidores e desacelerando a atividade econômica brasileira.
Quadro fiscal também tem impactos
Para além dos efeitos dos juros norte-americanos, a piora no quadro interno de riscos também pode afetar a economia brasileira.
Desde que o governo federal anunciou a mudança da meta fiscal para o próximo ano, houve uma piora na percepção fiscal do país — fator que também tem penalizado o real frente ao dólar nas últimas semanas.
Para 2025, o governo propôs uma meta fiscal zero — em vez de um superávit de 0,5% do PIB — e uma redução também para os próximos anos. A decisão acabou sendo encarada pelo mercado como uma derrota da equipe econômica, que chegou a defender inicialmente que a meta fosse alterada pelo menos para um superávit primário de 0,25% do PIB.
O mercado financeiro também entende que a decisão abre espaço para mais gastos e menor controle da dívida pública, o que demanda juros mais altos para que investidores estrangeiros considerem o país atraente.
Nesse cenário, a principal expectativa do mercado, agora, fica pela próxima reunião do Copom, prevista para a semana que vem. Mas mais do que a decisão em si, as atenções dos investidores devem ficar voltadas para as sinalizações sobre o futuro dos juros e, principalmente, para a divisão dos votos dentro do colegiado.
No encontro passado, uma votação acirrada do Comitê fez com que o presidente da instituição, Roberto Campos Neto, fosse o responsável pelo voto de minerva para trazer um corte de 0,25 ponto percentual na Selic.
Essa foi a segunda vez em menos de um ano que Campos Neto precisou dar um voto decisivo para definir o novo patamar de juros do país — e apenas a quarta vez em 20 anos. Nas outras duas vezes, o presidente do BC era Henrique Meirelles, em 2007.
Esse cenário também acaba sendo um agravante no cenário dos juros brasileiros, uma vez que ainda há incerteza no mercado sobre como deve ser a transição para a nova gestão do Banco Central.
O mandato de Campos Neto se encerra no fim de 2024. E os preferidos para ocupar o seu lugar são Gabriel Galípolo, ex-número 2 do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e o economista Paulo Pichetti. Ambos são diretores da instituição e votaram por um corte mais robusto dos juros na reunião passada.
Para economistas, isso sinaliza que os novos diretores tendem a optar por uma condução mais frouxa da política monetária (no jargão dos economistas, mais “dovish”).
Juros mais baixos podem significar mais impulso à atividade econômica, mas também uma inflação rodando possivelmente em nível mais elevado — e, consequentemente, juros mais elevados na economia brasileira.
É uma mudança de posição em relação à gestão atual, que em geral é mais cautelosa no momento de reduzir os juros por um receio de perda de controle dos preços no país.
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Colaboraram André Catto, Bruna Miato e Raphael Martins.
Fonte da Máteria: g1.globo.com