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Produção de insumo essencial para fabricação de medicamentos no Brasil cai de 50% para 5% em 30 anos; entenda os riscos da redução


Insumo Farmacêutico Ativo (IFA) é responsável pelo efeito terapêutico dos remédios. Fabricação pelo Brasil caiu nas últimas décadas. Empresa do Paraná investe na produção como estratégia de ‘competência tecnológica’. Especialista explica o que é IFA e importância para fabricação de medicamentos
Em pouco mais de 30 anos, a taxa de produção própria de Insumo Farmacêutico Ativo (IFA) do Brasil caiu de 50% para 5%, de acordo com presidente da Associação Brasileira da Indústria de Insumos Farmacêuticos (ABIQUIFI), Norberto Honorato Prestes Junior.
Segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), IFA é a substância responsável pelo efeito farmacêutico desejado do remédio. O “ingrediente” é imprescindível na formulação de medicamentos.
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Apesar da drástica redução na produção nas últimas décadas, em 2023, as 48 empresas que produzem IFA no Brasil exportaram mais de 850 milhões de dólares, segundo dados da ABIQUIFI.
O número engloba exportações de cerca de 150 diferentes IFAs, como anestésicos, antirretrovirais, analgésicos, vacinas e entre outros.
❓O que são os IFAs
Nelson Ferreira Claro Júnior, diretor da unidade de IFAs da Prati-Donaduzzi, uma das empresas brasileiras que produz o insumo em Toledo, no oeste do Paraná, e faz a seguinte analogia para explicar a importância do produto na produção de remédios:
“É possível fazer bolo chocolate sem ter matéria prima chocolate? Não. Então, o chocolate do bolo é o IFA, sem o IFA, não existe medicamento. […] O Brasil tem uma indústria farmacêutica bastante desenvolvida, nós aprendemos a fabricar bolo muito bem feito, vários tipos de bolo, mas nós dependemos dos insumos, do chocolate”, explicou o diretor.
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Em vacinas de vírus inativados, por exemplo, o IFA contém o corpo do micro-organismo “morto”, que não é mais capaz de se replicar e provocar uma infecção. Após receber a vacina, o corpo da pessoa passa a conhecer a estrutura do vírus e produz defesas específicas contra as formas de ataque.
Atualmente a Prati-Donaduzzi, em Toledo, produz a IFA Canabidiol, usado no tratamento de doenças do sistema nervoso e a IFA Cabergolina, que inibe/interrompe a produção de prolactina – hormônio que produz leite materno.
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⛔Redução na produção de IFAs e riscos à saúde do país
FioCruz produziu primeiros lotes do Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA) nacional para a produção da vacina contra a Covid-19
Reprodução/TV Globo
A produção de IFAs no país começou a despencar com a significativa abertura comercial nos anos 90, impulsionada pelo Governo Collor, que reduziu gradualmente as tarifas de importação. Como reflexo da política, o setor passou a mirar mercados internacionais como China e Índia, por terem valores mais competitivos.
Com importados mais baratos, a intenção era forçar os produtores nacionais a reduzir seus preços, mas isso não ocorreu e, na mesma época, impulsionou a criação pelo governo chinês de programa para atrair farmacêuticas, explica o presidente da ABIQUIBI.
“Ela ofereceu, naquela ocasião, tudo, desde a colherzinha da fábrica até o equipamento mais sofisticado. […] Passaram-se quase quatro décadas e a China é a primeira e a maior produtora de insumos farmacêuticos do mundo e medicamentos, junto com a Índia”, afirmou Norberto.
Por um lado, a redução de custos favoreceu o setor, por outro aumentou a fragilidade do país na produção dos IFAs – efeito sentido principalmente durante a pandemia de Covid-19.
Foram meses para a transferência de tecnologia da Astrazeneca para a Fiocruz, no Brasil e mais outro período até a aprovação da Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa) para que a instituição se tornasse a primeira a produzir o IFA em território nacional.
A pandemia, segundo Norberto, mostrou que o país tem capacidade de produção, a exemplo da Fiocruz que já possuía a produção das vacinas no portifólio.
“Mostramos que mesmo uma quantidade pequena a gente sabe fazer. Nós temos que olhar para isso e investir para retomar”, destacou.
Dose de vacina AstraZeneca/Fiocruz contra Covid-19
Hélia Scheppa/SEI-PE
A baixa produção de IFAs pode impactar também na produção de medicamentos em desastres naturais, como as enchentes no Rio Grande do Sul, e que podem favorecer o surgimento de uma série de doenças que exijam resposta rápida do setor de saúde.
Guerras como as entre Ucrânia e Rússia ou mesmo entre Israel e Palestina também acendem um alerta sobre como os principais fornecedores de IFA ao Brasil, neste momento China e Índia (cerca de 90%), podem reagir e, de algum modo, desabastecer o país.
“A gente não tem essa visão de como se precaver no mundo de guerra e a gente corre risco de ficar extremamente dependente de importações desse tipo de insumo. Nosso alerta, desde a pandemia, não é só com questão pandêmica, não é só sobre mudança climática, mas também dessas questões geopolíticas. […] A gente não sabe como um parceiro gigante como a China, a Índia, vai reagir a um processo desses. Então, assim a gente tem que prevenir, é saúde”, alertou Norberto.
💊Consumo de medicamentos no Brasil não acompanha produção de IFAs
Para Norberto, o desestímulo na produção de IFAs não acompanhou políticas nacionais seguintes, como a Lei dos Genéricos, em 1999, que incentivou a produção de medicamentos mais baratos no país, mas não estimulou a produção de todos ou parte dos insumos em território nacional.
“Nós temos uma indústria de produção de genéricos que teve plano especial, mas os genéricos cresceram e a produção de IFAs despencou, não teve plano para acompanhar o genérico. Chegou a pandemia e, como não teve essa conexão desses dois setores, a gente usou produtos chineses, indianos”, destacou.
Medicamentos genéricos
Divulgação
🧠Competência tecnológica
Antes da produção própria de IFAs na pandemia, o Brasil dependeu 100% da importação do insumo de outros países, um tempo de resposta que só não foi maior porque instituições públicas como Fiocruz e Instituto Butantan tinham o que Nelson, da Prati-Donaduzzi, chamou de “competência tecnológica”.
“Eles já tinham desenvolvido essa capacidade, esse conhecimento de produzir IFAS biológicos. […] Antes da pandemia talvez isso não ficasse muito evidente, da importância de se estar pronto”, avaliou Nelson.
Esse é um dos motivos pelo qual a empresa, localizada em Toledo e produtora de cerca de 13 bilhões de comprimidos por ano, vem investindo em tecnologia para a produção própria de IFAs.
“A importância disso é a construção de base tecnológica. […] atende ao desejo da própria empresa, que é ser independente desses fornecedores asiáticos, mas, pensando em país, nós estamos construindo conhecimento que pode ser ampliado”, afirmou Nelson.
“Fortalecer a indústria farmoquímica no país é dar segurança ao paciente de que, quando ele precisar do medicamento, ele vai encontrar na farmácia. Porque se não tiver chocolate para fazer o bolo, não se faz. […] Então, fazendo analogia com o medicamento, se eu não tenho IFA, não tem o medicamento e isso causa uma insegurança para a população do país”, destacou Nelson.
🛤️Caminhos possíveis
Para o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Insumos Farmacêuticos (ABIQUIFI), Norberto Honorato Prestes Junior, compreender a cadeia produtiva do insumo é fundamental para retomada da produção nacional em maior escala, associada a ações conjuntas entre Governo Federal e iniciativa privada para garantir que a saúde da população brasileira ganhe mais segurança.
Uma das estratégias apontadas por ele é fortalecer a Anvisa em termos de pessoal, para acelerar o processo de análise de novos medicamentos, incentivando e inserindo novos produtos no mercado nacional e favorecendo a venda para outros países.
Outra medida importante para incentivo da fabricação nacional de IFA, segundo Norberto, é investir em políticas públicas nacionais de curto, médio e longo prazo, a exemplo da Lei de Genéricos.
Esse incentivo à produção nacional pode, se bem estruturado, levar o Brasil a ser colocado no mapa mundial para compra de insumos farmacêuticos, avalia o presidente da ABIQUIFI. Para isso, no entanto, investimentos em inovação tecnológica e desenvolvimento, assim como mecanismos que possibilitem competitividade no mercado, são fundamentais na avaliação dele.
“Sempre falo que nós nunca vamos bater produzir 100%, não é essa questão, a questão é a gente ficar estruturado aqui, tecnicamente, estruturalmente em infraestrutura, para produzir, para que, em um revés ou numa situação mais complexa, a gente consiga ligar turbina e produzir o que precisa mesmo com custo mais alto”, destacou Norberto.
Complexo Econômico Industrial da Saúde e de Inovação para o SUS
Em setembro do ano passado, o governo federal anunciou o Complexo Econômico Industrial da Saúde e de Inovação para o Sistema Único de Saúde (SUS). Tanto a ABIQUIFI quanto outras instituições do setor esperam que a medida traga avanços na área da saúde.
O objetivo, segundo comunicado do governo federal na época, é promover a reindustrialização do país com investimento de R$ 42 bilhões na saúde, “um dos setores mais importantes para a política industrial brasileira”.
“Com seis programas estruturantes, o objetivo é expandir a produção nacional de itens prioritários para o SUS e reduzir a dependência do Brasil de insumos, medicamentos, vacinas e outros produtos de saúde estrangeiros. A maior autonomia do país é fundamental para reduzir a vulnerabilidade do setor e assegurar o acesso universal à saúde para todos”, informou o governo.
Norberto avalia que a estratégia é positiva e deve contribuir no processo de reindustrialização nacional da saúde se for associada a ajustes fiscais que tornem os produtos nacionais mais competitivos, dando mais possibilidades de mercado às indústrias nacionais.
Segundo o presidente da ABIQUIFI, discussões sobre o complexo já vêm sendo realizadas entre governo Federal, a associação e outras instituições, trazendo o alerta com relação aos IFAs e outros itens que dependem, em sua maioria, de importação da China e Índia.
“Existe uma lógica de soberania nacional, porque o Estado vê que precisamos nos sacrificar, entre aspas, pagando preço igual ou um pouco mais caro do que está a ser importado, para acelerar o crescimento do setor. Então, vale a pena esse investimento, porque estou trazendo autonomia para o país, é um investimento”, destacou Norberto.
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Fonte da Máteria: g1.globo.com