Pesquisar
Close this search box.
Notícias

Salve Joyce Moreno, compositora que escandalizou a moral do homem ‘da cor brasileira’ ao dar voz à mulher na MPB


Joyce Moreno, a primeira compositora a escrever música na primeira pessoa do singular feminino
Reprodução / Facebook Joyce Moreno
♫ CRÔNICA
♩ É difícil não pensar em Joyce Moreno quando chega 8 de março, Dia Internacional da Mulher. Sob o prisma da música brasileira, a cantora, compositora e violonista carioca permanece como referência na área feminina.
Joyce não foi a pioneira, mas foi a primeira compositora que deu voz à mulher na MPB. Antes dela, Chiquinha Gonzaga (1847 – 1935), Ivone Lara (1922 – 2018), Dolores Duran (1930 – 1959) e Maysa (1936 – 1977) furaram a bolha masculina na área da composição para mostrar que mulher também sabia fazer música. E bem.
Maysa inclusive conseguiu a proeza então inédita de debutar no mercado fonográfico em 1956 com álbum autoral. O salvo-conduto da artista no território autoral foi o fato de o disco Convite para ouvir Maysa ter caráter beneficente. Em bom português: para a moral machista da época, Maysa estava “liberada” para gravar as próprias músicas porque a causa era nobre.
Foi aí que chegou Joyce Moreno nos anos 1960 para balançar o coreto e escrever capítulo decisivo nessa história. Diferentemente das antecessoras e das contemporâneas como Sueli Costa (1943 – 2023), criadora de melodias sensíveis letradas por poetas homens, Joyce se posicionou como mulher nas músicas que compunha.
“Já me disseram / Que meu homem não me ama / Me contaram que tem fama / De fazer mulher chorar / E me informaram que ele é da boemia / Chega em casa todo dia bem depois do sol raiar / Só eu sei / Que ele gosta de carinho / Que não quer ficar sozinho / Que tem medo de se dar / Só eu sei / Que no fundo ele é criança / E é em mim que ele descansa / Quando para pra pensar”, cantou Joyce no palco de um festival da canção, em 1967, ao apresentar o autoral samba-canção Me disseram.
Es-cân-da-lo na então novata MPB! “Como uma mulher ousa escrever música na primeira pessoa do singular feminino?”, questionou a intelectualidade masculina, com doses cavalares de machismo e moralismo. Na imprensa, os ataques vieram de cronistas incensados como Sérgio Porto (1923 – 1968), o Stanislaw Ponte Preta.
Joyce foi em frente sem se curvar à moral da época, amargou certo ostracismo comercial na década de 1970, mas, a partir de 1979, o jogo virou na MPB. E as mulheres foram para o pódio com músicas compostas com orgulho de ser mulher. 1979 foi ano em que apareceram Angela RoRo, Fátima Guedes, Joanna, Marina Lima… O ano em que Joyce Moreno reapareceu para o público, de início como compositora.
O ano em que Elis Regina (1945 – 1982) e Maria Bethânia gravaram músicas então inéditas de Joyce, Essa mulher e Da cor brasileira, ambas com letras escritas pela poeta Ana Terra e repletas de feminilidade. O ano em que o Brasil cantou o samba Feminina, composto por Joyce, gravado pelo Quarteto em Cy e amplificado na trilha sonora da série Malu mulher (TV Globo, 1979), marco da teledramaturgia brasileira no universo feminino. Em 1980, o samba Feminina ganhou a voz da compositora no álbum intitulado… Feminina.
Travada de forma pacífica, com as armas da música, a guerra estava vencida pelas mulheres para sempre, ainda que a indústria fonográfica ainda permaneça como um reduto dominado pelo poder masculino.
Por isso hoje, 8 de março de 2025, é dia de lembrar quem arrombou as portas que insistiam em permanecer fechadas para as compositoras que ousavam dizer o pronome eu.
E essa mulher é Joyce Silveira Moreno, a velha maluca, como ela mesma se perfilou no título de samba apresentado em 2018. A mulher que escandalizou a moral do homem da cor brasileira naquele festival de 1967. A artista que acaba de aprontar álbum com músicas inéditas previsto para ser lançado neste primeiro semestre de 2025 para dar continuidade a uma história feita com bravura na década de 1960.
Salve Joyce Moreno!

Fonte da Máteria: g1.globo.com