Zélia Duncan no show ‘Lado Z’, idealizado para a casa Blue Note
Rodrigo Goffredo
♫ OPINIÃO SOBRE SHOW
Título: Lado Z
Artista: Zélia Duncan
Data e local: 22 de novembro de 2024 (sessão das 22h30m) no Blue Note Rio (Rio de Janeiro, RJ)
Cotação: ★ ★ ★ ★ 1/2
♪ É sintomático que Zélia Duncan feche o roteiro do show Lado Z com A natureza das coisas (2004), xote do compositor Accioly Neto (1950 – 2000) lançado em disco há 20 anos pelo cantor Flávio José.
Neste show inédito, concebido para ser apresentado simultaneamente nas casas Blue Note de São Paulo e do Rio de Janeiro (tal como Adriana Calcanhotto fez em agosto com o show Ultramar), a cantora dá voz ao xote – que já gravou em tributo a Accioly Neto e em álbum ao vivo de Elba Ramalho – com toque sutil de piseiro, evocado pelos teclados de Léo Brandão.
Ao contrário de Calcanhotto, que criou show intimista de voz e violão para o Blue Note, Zélia Duncan apresenta Lado Z com banda capitaneada pelo diretor musical e baixista Ézio Filho. Além de Ézio Filho e de Léo Brandão (teclados e acordeom), a artista dividiu o pequeno palco do Blue Note Rio com o guitarrista Webster Santos, o baterista Christiano Galvão e as vocalistas Luanah Jones e Senhorita Paola.
Com o toque dessa banda afiada, Zélia segue em Lado Z um roteiro sucinto e coeso que, em pouco mais de uma hora, expõe a natureza das coisas que pautam a caminhada profissional iniciada pela artista em Brasília (DF) em 1981. Tudo ali revela Zélia, e não por acaso a canção Me revelar (Christiaan Oyens e Zélia Duncan, 2001) figura no roteiro.
Sonhei (Alzira E e Arruda, 2021) explicita logo na abertura do roteiro a delicadeza folk que pauta parte do repertório da artista. Revelada já no primeiro álbum de Zélia, Outra luz (1990), a admiração por Rita Lee (1947 – 2023) é reiterada no canto de Lá vou eu (Luiz Carlini e Rita Lee, 1975), flash do cinza paulistano que espoca no show após a ensolarada polaroid carioca de Redentor (Beto Villares e Zélia Duncan, 2005), música menos inspirada do roteiro pela melodia sem graça (apesar da ponte Rio-São Paulo, Redentor é o único número dispensável).
A devoção a Itamar Assumpção (1949 – 2003) gera dois números, Que tal o impossível? (1988) e Existem coisas na vida (Itamar Assumpção e Alzira E, 2008). E fica claro, pela enésima vez, que Zélia é a melhor tradutora da obra de Itamar Assumpção para o idioma pop.
Zélia Duncan na estreia carioca do show ‘Lado Z’ na casa Blue Note Rio
Rodrigo Goffredo
Aos 60 anos, festejados em 28 de outubro, Zélia Duncan continua cantando muito bem, com os benefícios da maturidade e da voz extremamente grave (cantoras de voz grave são tratadas pelo tempo com mais gentileza do que as intérpretes de canto agudo). Essa voz parece estar no auge da sensibilidade.
Embora o roteiro não se desvie das incontornáveis Alma (Pepeu Gomes e Arnaldo Antunes, 2001) e Catedral (Tanita Tikaran, 1988, em versão em português de Christiaan Oyens, 1994), ainda e para sempre os dois maiores hits da cantora, Zélia emerge em Lado Z com pérolas pescadas na discografia.
Parceria da compositora com Marcelo Jeneci que alcançou a perfeição pop no álbum Pelo sabor do gesto (2009), título sobressalente na obra fonográfica da artista, Todos os verbos brilha ao lado de outra canção do delicado disco, Se um dia me quiseres (2009), parceria com Zeca Baleiro.
Parceria com Dani Black do álbum Tudo é um (2019), Só pra lembrar é levada com groove funky. Música suave que segue o chamado do acordeom de Léo Brandão, Vou gritar seu nome (Juliano Holanda e Zélia Duncan, 2021) é ponto culminante de beleza em Lado Z, acentuando que o lado mais forte de Zélia é o da delicadeza.
De todo modo, cabe louvar a energia vibrante dos dois números feitos pela cantora com Julia Vargas, convidada da estreia carioca do show em duas sessões feitas na sexta-feira, 22 de novembro.
Com interação e pegada, as duas artistas se afinaram em Maluca (Luís Capucho, 1993) – música que prestou tributo indireto a Cássia Eller (1962 – 2001), intérprete do tema em regravação feita para álbum de 1999 – e em Medusa (Zeca Baleiro e Zélia Duncan, 2019).
Zélia Duncan e Julia Vargas cantam ‘Maluca’ e ‘Medusa’ na estreia carioca do show
Rodrigo Goffredo
A presença forte de Julia Vargas foi ponto luminoso da estreia carioca de Lado Z, cujo roteiro inclui sensível homenagem a Antonio Cicero (1945 – 2004), poeta do pop brasileiro que saiu de cena há um mês. O tributo é feito com abordagem minimalista de Fullgás (1984) – música mais famosa da parceria de Cicero com a irmã Marina Lima – que evidenciou a singularidade dos versos do poeta.
Enfim, a face de Zélia Duncan está exposta sem maquiagem no show Lado Z, em roteiro aparentemente casual, mas essencialmente revelador da natureza da artista.
Zélia Duncan canta duas músicas de Itamar Assumpão (1949 – 2003) no show ‘Lado Z’
Rodrigo Goffredo
Fonte da Máteria: g1.globo.com