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Voo fantasma: a história do Helios 522, que voou sozinho após pilotos e passageiros ficarem inconscientes


Erros de procedimento fizeram com que um Boeing 737 decolasse sem um sistema de pressurização ativo, levando todos os ocupantes a bordo a sofrer hipóxia. Desorientados, pilotos tomaram decisões confusas e desmaiaram, provocando um dos piores acidentes aéreos do século 21 na Europa. Avião fantasma: a história do voo Helios 522
Dois caças da Força Aérea Helênica, da Grécia, decolaram para interceptar um Boeing 737-300 que voava normalmente, mas não respondia a nenhum contato por rádio. O que os militares viram foi uma cena macabra: passageiros e pilotos inconscientes, e um único ocupante acordado, com uma máscara de oxigênio, tentando desesperadamente pousar o avião.
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Nada mais podia ser feito para salvar as 121 pessoas a bordo, porém. O voo 522 da Helios Airways permaneceu em piloto automático, em uma trajetória em círculos pelos céus de Atenas, até o combustível acabar, seus dois motores pararem —e a aeronave bater em uma área desabitada perto da capital grega.
O acidente, em 14 de agosto de 2005, é um dos piores da aviação comercial na Europa neste século, ocasionando até o encerramento das operações da companhia aérea, uma “low cost” baseada no Chipre.
Leme do voo Helios 522, que caiu na Grécia em 2005 após pilotos sofrerem hipóxia
Petros Giannakouris/AP
O voo 522 da Helios Airways partiu do aeroporto de Larnaca, no Chipre, com destino a Praga, na República Tcheca. Na noite anterior, a aeronave havia voltado de Londres e a tripulação havia reportado um congelamento na vedação de uma das portas, o que poderia indicar uma falha na pressurização. Por isso, um teste foi solicitado.
Foi quando a sequência fatal de erros teve início. Para realizar o teste, o engenheiro da companhia aérea mudou, na cabine de comando, a chave da pressurização do modo automático para o manual. Ao fim do procedimento, ele deveria ter recolocado a chave no modo automático —mas ela permaneceu na posição incorreta.
Os pilotos designados para o voo até Praga eram experientes. O comandante tinha 59 anos e 5.500 horas à frente do 737. O copiloto, de 51 anos, acumulava 3.900 horas no modelo.
Antes da decolagem, os pilotos devem fazer uma checagem de diversos parâmetros que asseguram que a aeronave está em condição de voar – desde a quantidade correta de combustível para o peso e a distância do trajeto, até as condições dos componentes e as posições dos comandos no painel.
Checar a posição da chave de pressurização é obrigatório antes de qualquer decolagem, apesar de ela estar quase sempre no modo automático e quase nunca ter a posição alterada. Na cabine do 737-300, este comando fica do lado do copiloto; cabe a ele fazer a verificação.
O procedimento é tão importante que é feito duas vezes antes de a aeronave sair do chão. Por algum motivo, porém, a tripulação levou a cabo a decolagem com o dispositivo em modo manual.
Helios 522: a queda do ‘voo fantasma’ na Grécia
Arte/g1
Sinais ignorados
Uma pessoa consegue respirar normalmente, sem auxílio de máscaras, a 10 mil pés, ou cerca de 3.000 metros —e foi exatamente a 10.000 pés que se deu a última comunicação entre tripulação e torre. O piloto solicitou subir até 34 mil pés (10,3 mil metros) para seguir o voo de cruzeiro e os controladores autorizaram o procedimento.
Voar com a pressurização em modo manual não é um impeditivo para a decolagem, porque é possível que os pilotos controlem o mecanismo já com a aeronave no ar. Segundo o relatório do acidente, produzido pelas autoridades gregas, provavelmente a tripulação não se atentou à indicação, mesmo com um sinal luminoso aparecendo em verde no painel.
O mesmo relatório também aponta que as indicações de pressão interna da cabine estavam mostrando que o ar estava ficando cada vez mais rarefeito, mas mesmo assim comandante e copiloto seguiram ganhando altitude.
Nesse momento, a perda de pressão fez um alarme alto e irritante soar na cabine. Quando este alarme é acionado em voo, o procedimento padrão é que piloto e copiloto coloquem suas máscaras de oxigênio (elas não “caem”, ao contrário da dos passageiros). A atitude do comandante, revista graças à análise dos dados da caixa-preta, chamou a atenção dos investigadores. Em vez de tentar colocar a máscara, ele desliga o alarme e realiza alguns procedimentos de checagem, como desligar e ligar o piloto automático.
Logo depois, ele entra em contato com a equipe da base da Helios Airways e diz que a aeronave está indicando “problemas na configuração de decolagem”.
No 737, o alarme de configuração de decolagem é idêntico ao de falta de pressurização. A diferença é que ele só indica algum erro de configuração se estiver no solo – caso ele soe no ar, o alarme estará se referindo à pressão do ar.
Com a aeronave ganhando cada vez mais altitude, e os pilotos sem as máscaras, é provável que eles tenham começado a sentir os efeitos da hipóxia.
Morte silenciosa
Hipóxia é a falta de oxigenação do cérebro em altas altitudes —pode afetar, por exemplo, com alpinistas que escalam o Everest, com quase 9 mil metros. “Ela causa diversas disfunções, tanto cognitivas, quanto motoras, afetando o julgamento e provocando a perda de consciência, chegando a causar até a convulsão e a morte”, explica a médica Thais Russomanno, especializada em medicina aeroespacial.
Ela diz que a hipóxia causa reações diferentes nas pessoas. Hoje em dia, recomenda-se que os pilotos façam testes a cada cinco anos em câmaras hipobáricas, que simulam a falta de oxigênio em altitudes elevadas, para que eles aprendam a identificar o momento em que ocorre a hipóxia, de modo a reagir o mais rápido possível.
“A hipóxia é insidiosa, ela vai agindo aos poucos, sem que a gente perceba”, afirma. “Às vezes, é comum ver em filmes as pessoas tossindo com a falta de ar, mas isso não acontece. Um dos sintomas mais comuns é a euforia.”
“Nesse aspecto”, diz Thais Russomanno, “a hipóxia não deixa de ser semelhante ao álcool. Ela não percebe a intoxicação no começo, mas depois de um tempo, a pessoa perde a capacidade crítica.”
A médica diz que, dependendo da altitude e do tempo de exposição a um ambiente a um ar rarefeito, a hipóxia pode ser severa e levar muito pouco tempo para incapacitar o indivíduo.
“É por isso que, nas instruções antes do voo, os comissários pedem para que, se as máscaras de oxigênio caírem, você coloque primeiro em você mesmo e depois tente ajudar outra pessoa, se necessário.”
Na cabine do voo Helios 522, os efeitos da hipóxia provavelmente se faziam sentir pelo comandante e pelo copiloto, o que lhes comprometia a capacidade de decisão. As máscaras de oxigênio dos passageiros caem, o que dispara uma luz no painel da cabine, mas os pilotos não fazem menção a isso na conversa via rádio com o engenheiro da companhia aérea; em vez disso, perguntam sobre outro aviso. O engenheiro chega a perguntar se o comando de pressurização está em “automático”, mas não há resposta.
Polícia faz buscas em meio a destroços do voo Helios 522, que caiu na Grécia em 2005
Petros Giannakouris/AP
O engenheiro tenta se comunicar com piloto e copiloto pela última vez quando a aeronave está a pouco menos de 20 mil pés (9.000 metros) de altitude. O mais provável, segundo a investigação do acidente, é que ambos tenham perdido a consciência.
Máscaras de oxigênio e voo em círculos
Atrás da cabine de comando, os passageiros e os comissários do Boeing 737-300 da Helios estão com as respectivas máscaras de oxigênio. É provável que os comissários estejam esperando que o piloto desça para 10 mil pés (cerca de 3.000 metros), onde há oxigênio suficiente.
As máscaras são projetadas para fornecer oxigênio por pouco mais de 10 minutos, tempo mais do que suficiente para que o piloto desça da altitude de cruzeiro. Mas isso não acontece.
Nesse momento, o Boeing está em piloto automático —dispositivo que mantém o avião em altitude, direção e velocidade estabelecidas pela tripulação. Assim, a aeronave segue a 24 mil pés (7.315 metros) e, ao chegar em Atenas, seguindo a configuração do plano de voo, começa a voar em círculos, sozinho, em um padrão de espera, como se o piloto aguardasse autorização para pouso.
Ninguém no assento do piloto
Não é comum que a tripulação de uma aeronave e o controle de tráfego aéreo fique muito tempo sem se comunicar. É praxe que pilotos relatem e peçam autorização ao mudar de altitude, por exemplo.
A torre do aeroporto de Atenas, responsável pelo tráfego aéreo da região por onde o avião estava, nota algo de estranho quando não recebe resposta da tripulação do voo 522 —decide, então, acionar a Força Aérea para interceptar o Boeing.
Familiares com retratos de vítimas do voo Helios 522, que caiu na Grécia em 2005
Petros Karadjias/AP
Alguém vivo na cabine
Os pilotos dos caças reportam que não conseguem ver ninguém no assento do comandante. Há uma pessoa inconsciente no assento do copiloto, sem máscara, e pelo menos três passageiros pelas escotilhas, todos inconscientes e com suas máscaras de oxigênios acopladas no rosto.
Uma pessoa vestida como um comissário chega a entrar na cabine de comando, colocar a máscara de oxigênio e fazer sinais para os pilotos dos caças. Posteriormente, descobriu-se que alguns tubos de oxigênio que são levados no voo para emergências médicas foram utilizados –não se sabe por quantas pessoas.
Essa pessoa na cabine de comando provavelmente era um comissário que tentava pilotar o Boeing 737-300. Analisada durante a investigação, a caixa-preta registrou movimentos em um dos manches, o instrumento que comanda os movimentos do avião. Um dos comissários do Helios 522 tinha licença de pilotagem, mas não para pilotar uma aeronave como o 737.
Pouco depois, os motores pararam de funcionar, por pane seca, com dois minutos de diferença entre um e outro. A queda, nas colinas da cidade de Grammatiko, matou os 115 passageiros e 6 tripulantes imediatamente.
A médica aeroespacial Thais Russomanno considera improvável que os passageiros tenham sofrido antes da fatalidade: “Como a hipóxia é insidiosa e progressiva, muito provavelmente elas ficaram inconscientes sem se dar conta”.
Criança coloca vela em memorial para as vítimas do voo Helios 522, que caiu na Grécia em 2005
Petros Karadjias/AP
Como costuma acontecer depois de acidentes aéreos, a indústria mudou procedimentos desde o desastre na Grécia: atualmente, há um sinal visual vermelho, mais óbvio, no painel de todos os Boeings 737, indicando falta de pressurização, para que o acidente do voo Helios 522 não se repita.
“Voos fantasmas” já aconteceram outras vezes após a tragédia do Helios Airways, seja por problemas técnicos ou erros humanos, com aviões particulares, mas nunca mais houve um caso semelhante em voos comerciais.

Fonte da Máteria: g1.globo.com