Cantora nunca arrombou a festa, como faria Rita Lee, mas personificou a rebeldia feminina possível diante do conservadorismo da década de 1960. ♪ ANÁLISE – Que ninguém acuse Wanderléa de ter estacionado no tempo da Jovem Guarda! O recente disco Wanderléa canta choros (2023), lançado em maio do ano passado, assim como os quatro álbuns feitos pela cantora ao longo da década de 1970 – …Maravilhosa (uma tentativa de desbunde em 1972), Feito gente (1975), Vamos que eu já vou (1977) e Mais que a paixão (1978) – são atestados perenes de que a cantora mineira tentou ir além. Mas o público e o mercado da música nunca conseguiram apagar da memória a imagem da Ternurinha.
E é por isso que Wanderléa Charlup Boere Salim, artista nascida em 5 de junho de 1944 (e não em 1946, como consta erroneamente em várias fontes), em Governador Valadares (MG), chega hoje aos 80 anos ainda e para sempre associada à música e à imagem das jovens tardes dos domingos que mobilizaram os brotos brasileiros de agosto de 1965 a meados de 1968. E demérito nenhum há nisso.
Para as garotas da época, Wanderléa encarnou a imagem da rebeldia possível naquele momento de efervescência cultural. A rigor, Wanderléa nunca arrombou de fato a festa como a contemporânea Rita Lee (1947 – 2023) logo faria com o grupo Mutantes, mas, diante do conservadorismo da tradicional família brasileira dos anos 1960, a Ternurinha passou a ilusão de que promovia revolução de costumes. Tanto que a imagem da artista na Jovem Guarda foi comercializada à exaustão, gerando produtos, lucros e dividendos.
Artista que parece ter real dimensão do lugar que ocupa na música brasileira, Wanderléa mostrou senso crítico ao analisar a obra fonográfica na autobiografia Foi assim (2017).
No livro, escrito a partir de pesquisa e edição de texto feitas pelo jornalista Renato Vieira, a cantora demole o romantismo pasteurizado do álbum Wanderléa (1989) e revela consciência das manipulações dos diretores da gravadora CBS, por onde lançou seis álbuns entre 1963 e 1968, no período de auge comercial da trajetória fonográfica.
Não, a indústria do disco nunca deu o devido valor a Wanderléa, sobretudo a partir da década de 1980, quando a cantora se viu pressionada a rebobinar as músicas da Jovem Guarda em eterno revival do movimento encabeçado por ela ao lado de Roberto Carlos e Erasmo Carlos (1941 – 2022).
Enfim, o fato é que, em 2024, quando se pensa em Wanderléa, o que ainda vem à mente são músicas aliciantes como Ternura (Somehow It got to be tomorrow – Today) (Estelle Kevitt e Kenny Karnen em versão em português de Rossini Pinto, 1965), Pare o casamento (Stop the wedding) (Arthur Resnik e Kenny Young em versão em português de Luiz Keller, 1966), Te amo (Roberto Corrêa e Sylvio Son, 1967) e a melancólica canção Foi assim (Juventude e ternura) (Ronaldo Corrêa e Roberto Corrêa, 1967).
Mas sempre será tempo de que descobrir outras músicas e discos da eterna Ternurinha. Até porque Wanderléa já existia como artista antes da Jovem Guarda.
A futura popstar da década de 1960 tinha somente nove anos quando, com o aval do pai, começou a atuar como crooner do Regional de Canhoto – conjunto de choro fundado em 1951 – em shows e programas da Rádio Mayrink Veiga.
O resto foi história de muitos capítulos, embora o público, e não a já octogenária Wanderléa, pareça ter estacionado nas páginas e canções das velhas tardes dominicais.
Fonte da Máteria: g1.globo.com